É comum
ouvirmos as pessoas dizerem que não têm criatividade. Isso não é verdade.
Apenas em algumas pessoas ela está mais aflorada do que em outras. Todos nós
nascemos com criatividade, a diferença é o que fazemos com ela.
Para
entender melhor esse processo, precisamos voltar à infância, e estudar como o
desenvolvimento da criatividade ocorre nas crianças. O processo se manifesta
claramente nos desenhos infantis, primeiro registro concreto da expressão
pessoal. Os desenhos infantis contêm uma originalidade e um frescor de
concepção que é a própria essência da infância.
Podemos ver
um exemplo clássico no livro “O Pequeno Príncipe”
...
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Certa vez, quando tinha seis
anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, "Histórias Vividas", uma
imponente gravura. Representava ela uma jibóia que engolia uma fera. Eis a
cópia do desenho.
Dizia o livro: "As jibóias
engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não podem mover-se e dormem
os seis meses da digestão."
Refleti muito então sobre as
aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o meu primeiro desenho. Meu
desenho número 1 era assim:
Mostrei minha obra prima às
pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes fazia medo.
Respondera-me: "Por que é
que um chapéu faria medo?"
Meu desenho não representava um
chapéu. Representava uma jibóia digerindo um elefante. Desenhei então o
interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas
têm sempre necessidade de explicações. Meu desenho número 2 era assim:
As pessoas grandes
aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jibóias abertas ou fechadas, e
dedicar-me de preferência à geografia, à história, ao cálculo, à gramática. Foi
assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora
desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2.
As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as
crianças, estar toda hora explicando.
As crianças menores, principalmente,
expressam suas idéias, pensamentos e emoções com uma espontaneidade invejada
por muitos artistas. O desenho das crianças é feito de maneira mais
inconsciente, sem a preocupação do que os observadores irão pensar. A criança
desenha por puro prazer. Até certa idade, ela não é limitada pelas barreiras
exteriores que nos são impostas, as cobranças da família ou da sociedade. O
que vale é a pura expressão pessoal. Daí os desenhos serem mais criativos. O
que torna a arte expressiva é a manifestação do “eu”, e suas reações
subjetivas ao meio. (O Desenvolvimento da Criatividade e da Percepção Visual, Fernanda de Morais Machado)
De acordo com os autores Lowenfeld e Brittain,
no livro “O Desenvolvimento da Capacidade Criadora” o
desenho infantil passa por algumas fases de desenvolvimento.
(...) entre os doze e o quatorze anos,
alguns jovens já têm o sentimento de serem adultos, mas seus desenhos são
apreciados como algo infantil. Isso lhes causa um grande choque.” Assim, a
criança se torna muito crítica em relação aos seus trabalhos, devido à pressão
que ela sente para que ele se conforme aos padrões adultos de comportamento.
Isso pode sufocar seus impulsos criadores. A ânsia e crescer gera certa
vergonha na criança em relação aos seus desenhos. A criança não quer ser vista
como criança, e sim como adulto, merecedor de respeito perante a sociedade.
Assim, a criança sente-se envergonhada de seus desenhos ainda infantis, e
acaba por reprimi-los, e reprime sua vontade de desenhar e de se expressar
livremente.
Texto na íntegra: O Desenvolvimento da Criatividade e da Percepção Visual -
Fernanda de Morais Machado
Fernanda de Morais Machado
Está aí nosso primeiro bloqueio mental para a expressão criativa: os conceitos
estabelecidos.
O primeiro conceito estabelecido erroneamente é que a criatividade não
é faculdade de todos e sim de pessoas seletas... As potencialidades e os
processos criativos não se restringem, porém, à arte. Em nossa época, as artes
são vistas como área privilegiada do fazer humano, onde ao indivíduo parece facultada
uma liberdade de ação em amplitude emocional e intelectual inexistente nos
outros campos de atividade humana. Não nos parece correta essa visão de
criatividade. O criar sópode ser visto num sentido global, como um agir
integrado em um viver humano. De fato,criar e viver se interligam.
(Fayga Ostrower Rio de Janeiro, setembro de 1976.)
Partindo dessa premissa que todo ser humano é
criativo podemos conceituar criatividade.
CRIATIVIDADE
Numa
perspectiva bastante abrangente, a criatividade pode ser definida como o
processo mental de geração de novas idéias por indivíduos ou grupos. Uma nova
idéia pode ser um novo produto, uma nova peça de arte, um novo método ou a solução
de um problema. Esta definição tem uma implicação importante, pois, como
processo, a criatividade pode ser estudada, compreendida e aperfeiçoada. Ela tira da criatividade aquela áurea
de um evento mágico, místico e transcendental; um beijo de Deus na sua testa.
Ser
criativo é ter a habilidade de gerar idéias originais e úteis e solucionar os
problemas do dia-a-dia. É olhar para as mesmas coisas como todo mundo, mas ver
e pensar algo diferente. O balão de ar quente foi inventado pelos irmãos Joseph
e Etienne Montgolfier em 1783. A idéia teria ocorrido a Joseph ao ver a
camisola de sua mulher levitar, depois que ela a colocara perto do forno para
secar. Daí teria vindo a idéia de construir um grande invólucro em forma de
pêra, de papel e seda, com uma abertura na base para ser inflado com a fumaça
de palha queimada. Milhões de pessoas já tinham visto este fenômeno, mas
somente os irmãos Montgolfier tiraram proveito prático desta observação. Eles
viram muito mais do que uma camisola flutuando – isto é criatividade.
Portanto a criatividade é inerente a todo ser humano.
No livro Breakpoint and Beyond: Mastering the Future Today (1992), George
Land e sua colega Beth Jarman concluíram que aprendemos a ser não-criativos. O
declínio da criatividade não é devido à idade, mas aos bloqueios mentais
criados ao longo de nossa vida. A família, a escola e as empresas têm tido
sucesso em inibir o pensamento criativo. Esta é a má notícia. A boa notícia é
que as pesquisas e a prática mostram que este processo pode ser revertido;
podemos recuperar boa parte de nossas habilidades criativas. Melhor ainda, nós
podemos impedir este processo de robotização. Ufa!
Para pessoas que exercitam
a criatividade sempre existe outra maneira de se fazer as mesmas coisas. Essa
pessoa não se dá por satisfeita enquanto não encontra uma maneira nova. Não se
acomoda, não é monótona, nem rotineira. O bloqueio da nossa criatividade pode
vir de vários fatores externos como internos. Bloqueios mentais são obstáculos
que nos impedem de perceber corretamente o problema ou conceber uma solução.
Pela ação destes bloqueios nós nos sentimos incapazes de pensar algo diferente,
mesmo quando nossas respostas usuais não funcionam mais. Alguns bloqueios são
criados por nós mesmos: temores, percepções, preconceitos, experiências,
emoções, etc. Outros são criados pelo ambiente: tradição, valores, regras,
falta de apoio, conformismo, entre outros. Os bloqueios mentais podem ser
classificados em cinco categorias:
Bloqueios culturais:
Barreiras
que impomos a nós mesmos, geradas por pressões da sociedade, cultura ou grupo a
que pertencemos. Eles nos levam à rejeição do modo de pensar de pessoas ou
grupos diferentes. Alguns destes bloqueios:
§ Nós não pensamos ou agimos deste
jeito aqui.
§ Nosso jeito é o certo.
§ Respeitamos nossas tradições.
§ Não se mexe em time que está
ganhando.
Bloqueios ambientais e organizacionais:
Resultantes das condições e do ambiente de trabalho (físico e cultural):
§ Distrações no ambiente de
trabalho, reais ou imaginárias (interrupções, ruídos, telefone, e-mail).
§ Ambiente de trabalho opressivo,
inseguro, desagradável.
§ Atitudes inibidoras à expressão
de sentimentos, emoções, humor e fantasia.
§ Autoritarismo, estilos gerenciais
inibidores.
§ Falta de apoio, cooperação e
confiança.
§ Rotina estressante e inibidora.
Bloqueios intelectuais e de comunicação:
Inabilidade para formular e expressar com clareza problemas e ideias. Podem resultar de vários fatores:
§ Falta de informação e pouco
conhecimento sobre o problema ou situação analisada.
§ Informação incorreta ou
incompleta.
§ Fixação profissional ou
funcional, isto é, procurar soluções unicamente dentro dos limites de sua
especialização ou campo de atividade.
§ Crença de que para todo problema
só há uma única solução válida.
§ Uso inadequado ou inflexível de
métodos para solução de problemas.
§ Inabilidade para formular e
expressar com clareza problemas e ideias.
Bloqueios emocionais:
Resultantes do desconforto em explorar e manipular idéias. Eles nos impedem de comunicar nossas ideias a outras pessoas. Alguns exemplos:
§ Medo de correr riscos; desde
criança somos ensinados a ser cautelosos e não falhar nunca.
§ Receio de parecer tolo ou
ridículo.
§ Dificuldade em isolar o problema.
§ Desconforto com incertezas e ambiguidades.
§ Negativismo: procura prematura de
razões para o fracasso, por que não vai dar certo.
§ Inabilidade para distinguir entre
realidade e fantasia.
Bloqueios de percepção:
Obstáculos que nos impedem de perceber claramente o problema ou a informação necessária para resolvê-lo. Inabilidade para ver o problema sob diversos pontos de vista. Exemplos:
§ Estereótipos: ignorar que um
objeto pode ter outras aplicações além de sua função usual. Gutenberg adaptou a
prensa de uvas para imprimir livros; Santos Dumont usou a corda de piano para
substituir as pesadas e grossas cordas usadas nos balões.
§ Fronteiras imaginárias:
projetamos fronteiras no problema ou na solução que não existem na realidade.
§ Sobrecarga de informação: excesso
de informações e de detalhes que restringem a solução que pode ser considerada.
Os bloqueios são paredes invisíveis que nos
impedem de sair dos estreitos limites do cubículo que construímos ao longo dos
anos. Os tijolos desta parede são feitos de nossos medos, frustrações,
ansiedades e imposições da sociedade, família, colegas e superiores. Quando se
sentir paralisado e incapaz de pensar diferente, relaxe e procure enxergar
estes tijolos. A consciência dos bloqueios mentais já é meio caminho andado no
desenvolvimento de suas habilidades criativas.
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